Por Luiz Barco
Tenho defendido
nesta seção a idéia de que fazer Matemática é algo que transcende os limites
dos cursos formais. Muitos daqueles que se dizem refratários às matemáticas
acabam expondo com muita clareza e logicidade suas idéias; extasiam-se diante
da beleza das artes, entendem relativamente bem os argumentos e os raciocínios
claros, têm aguçado senso de humor, são, enfim, portadores do espírito
matemático. Não são poucos os livros e artigos, hoje, que, sem tratar
especificamente de questões da Matemática, são, sem dúvida, sobre esse
tema.
Vez por outra
surge um comentário de que interpretar bem ou ler bem é uma é uma atividade de
prontidão matemática ou que tocar uma peça de Bach é dedilhar sobre logaritmos.
Mas, rara mesmo é a interpretação matemática do humor. Por isso, foi com algum
espanto que vi no livro Numeracy (uma espécie de dicionário que contém pequenos
comentários sobre tópicos da Matemática), de John Allen Paulos, um exemplo de
raciocínio lógico-matemático em cima de um diálogo entre dois sisudos pastores:
“Eu nunca dormi com minha esposa antes de nos casarmos”, disse um deles e,
arrematando, perguntou ao outro: “E você?” “Não tenho certeza”, respondeu o
colega e completou: “Qual era mesmo o nome de solteira dela?”
Estava em meio a
essa leitura, quando começou na televisão o programa Jô Soares Onze e meia.
Estimulado pelo que havia lido, prestei muita atenção ao extraordinário
humorista e, sem muito esforço, percebi na lógica de suas ponderações, na
agilidade de seu raciocínio, na construção das relações que arquitetou, maior
prontidão matemática do que aquela que se observa em muitos cursos ou aulas
rotulados de Matemática. O entendimento da lógica correta, ou do modelo, ou da
regra, ou mesmo da estrutura são essenciais para se perceber a incongruência de
uma história ou de uma piada que ouvimos. Igualmente, é essencial dar toda a
atenção à elegância, à sutileza e à força da prova matemática para poder
apreciar, de fato, o que é realmente essa ciência. Embora os usos dos
entendimentos e apreciações sejam completamente diferentes na Matemática e no
humor, eles estão presentes em ambos.
Os matemáticos,
por exemplo, utilizam como um de seus ardis a técnica da redução ao absurdo,
para provar proposições. Para provar P, é suficiente admitir a negação de P e
daí chegar a uma contradição ou a um absurdo. Os redatores de humor usam a
mesma técnica quando iniciam uma história com uma premissa estranha – “O que
poderia acontecer se...” – e então desenvolvem seu enredo pelo resultado de
conseqüências absurdas.
As contradições
são muito freqüentes em Matemática e têm sido utilizadas tanto para demonstrar
proposições sérias quanto para se construírem falácias matemáticas, ou seja,
asserções surpreendentes, cheias de sutilezas que escondem erros. Imagine que
um amante dos números declare que todos eles (os números) são interessantes.
Você talvez concorde que alguns números têm propriedade que os tornam
interessantes, mas que existem outros que nada apresentam para serem assim
classificados. Logo, a família dos números poderia conter duas classes: a dos
interessantes e a dos desinteressantes.
O matemático
dirá que na classe dos desinteressantes há um número que é o menor de todos.
Mas, você há de concordar que ser o menor faz dele, justamente, um número
interessante e portanto deveria mudar de classe. Ainda na classe desinteressante
há um outro número que é o menor da família e pela mesma razão deveria mudar de
lugar. E se assim continuarmos, não haverá número desinteressante. A meu ver, a
postura e o prazer que os matemáticos encontram em suas pesquisas não são
diferentes daquelas dos comediantes. Pode-se até dizer que o sorriso que se
exibe quando acontece algo de inesperado no encaminhamento de uma bela prova
matemática é uma versão refinada de uma bela risada provocada pelo inesperado
desfecho de uma boa piada.
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